domingo, 5 de fevereiro de 2017

DIREITOS DOS PACIENTES E LEGISLAÇÃO



Em 17 de março de 1999, o Governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, promulgou a Lei nº 10.241, de autoria do Deputado Roberto Gouveia, que "dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado e dá outras providências";

                Todo Paciente deve ser tratado com dignidade e respeito

Artigo 1º – A prestação dos serviços e ações de saúde aos usuários de qualquer natureza ou condição, no âmbito do Estado de São Paulo , será universal e igualitária, nos termos do artigo 2º da Lei Complementar nº 791 de 9 de março de 1995.


Artigo 2º – São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:
I - ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso;
II - ser identificado e tratado pelo seu nome ou sobrenome;}
III - não ser identificado ou tratado por:
a) números
b) códigos; ou
c) de modo genérico, desrespeitoso, ou preconceituoso;


IV - ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais, através da manutenção do sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública;


V - poder identificar as pessoas responsáveis direta e indiretamente por sua assistência através de crachás visíveis , legíveis e que contenham:
a) nome completo;
b) função;
c) cargo; e
d) nome da instituição;


VI - receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre:
a) hipóteses diagnósticas;
b) diagnósticos realizados;
c) exames solicitados;
d) ações terapêuticas;
e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas;
f) duração prevista do tratamento proposto;
g) no caso de procedimentos de diagnósticos terapêuticos invasivos, a necessidade ou não de anestesia, o tipo de anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, as partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e conseqüências indesejáveis e a duração esperada do procedimento.
h) exames e condutas a que será submetido;
i) a finalidade dos materiais coletados para exame;
j) alternativas de diagnósticos e terapêuticas existentes no serviço de atendimento ou em outros serviços: e 

l) o que julgar necessário:

VII - consentir ou recusar de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados:
VIII - acessar, a qualquer momento, o seu prontuário médico, nos termos do artigo 3º da Lei Complementar nº 791 de 9 de março de 1995:
IX - receber por escrito o diagnóstico e o tratamento indicado, com a identificação do nome do profissional e o seu número de registro no órgão de regulamentação e controle da profissão:
X - vetado:
XI - receber as receitas:
a) com nome genérico das substâncias prescritas;
b) datilografadas ou em caligrafia legível;
c) sem a utilização de códigos ou abreviaturas;
d) com o nome do profissional e seu número de registro no órgão de controle e regulamentação da profissão; e
e) com assinatura do profissional:


XII - conhecer a procedência do sangue e dos hemoderivados e poder verificar, antes de recebê-los, os carimbos que atestaram a origem, sorologias efetuadas e prazo de validade:
XIII - ter anotado em seu prontuário, principalmente se inconsciente durante o atendimento:


a) todas as medicações com suas dosagens utilizadas; e
b) registro da qualidade de sangue recebida e dos dados que permitam identificar a sua origem, sorologias e prazo de validade;
XIV - ter assegurado durante as consultas, internações, procedimentos diagnósticos e terapêuticos e na satisfação de suas necessidades fisiológicas :


a) a sua integridade física;
b) a privacidade;
c) a individualidade:
d) o respeito aos seus valores éticos e culturais:
e) a confidencialidade de toda e qualquer informação pessoal; e
f) a segurança do procedimento;


XV - ser acompanhado, se assim o desejar, nas consultas e internações por pessoas por ele indicada;
XVI - ter a presença do pai aos exames pré-natais e no momento do parto;
XVII - vetado;
XVIII - receber do profissional adequado, presente no local, auxilio imediato e oportuno para a melhoria do conforto e bem estar:
XIX - ter um local digno e adequado para o atendimento;
XX - receber ou recusar assistência moral, psicológica, social ou religiosa;
XXI - ser prévia e expressamente informado quando o tratamento proposto for experimental ou fizer parte de pesquisa:
XXII - receber anestesia em todas as situações indicadas:
XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida: e
XXIV - optar pelo local de morte.
& 1º - A criança ao ser internada terá em seu prontuário a relação das pessoas que poderão acompanhá-la integralmente durante o período de internação.
& 2º - A internação psiquiátrica observará o disposto na Seção III do Capítulo IV do Título I da segunda parte da Lei Complementar nº 791 de 9 de março de 1995.
Artigos 3º, 4º e 5º - vetados.


Publicamos a íntegra da Lei não só para conhecimento dos médicos paulistas, mas e principalmente, para estimular discussões e ações que levem à adoção de leis semelhantes em outros Estados e em nível Federal.


A nosso ver a Lei tem importância enorme, prática e didática. Alguns destaques são a seguir apresentados.


Os incisos I, II, III, IV e V do art. 2º afirmam direitos óbvios dos pacientes (que,a rigor, nem precisariam estar em um diploma legal, pela sua própria obviedade), mas que são freqüentemente desrespeitados.
Os incisos V e VI do artigo 2º dão força legal a dois dos itens mais importantes de qualquer discussão bioética atual: o direito do paciente ser esclarecido quanto a todos os aspectos de sua doença e, uma vez esclarecido, ter o direito de "consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, procedimentos dignósticos e terapêuticos a serem nele realizados".
O inciso VIII do artigo 2º reafirma um direito já explicito na Constituição e no próprio Código de Ética Médica (mas nem por isso sempre respeitado): o paciente deve ter acesso livre aos dados contidos em seu prontuário médico.
O inciso XI do artigo 2º estabelece alguns requisitos para as receitas médicas: a obrigatoriedade (óbvia, novamente) de serem redigidas de forma legível, sem a utilização de abreviaturas (freqüentemente crípticas) e com o nome, registro profissional e a assinatura de quem as emitiu; além disso enfatiza a necessidade de que delas conste o nome genérico das substâncias prescritas.


O respeito à privacidade e individualidade dos pacientes é ressaltado no inciso XIV do artigo 2º, enquanto os incisos XV e XVI firmam um dos direitos dos pacientes mais habitualmente desrespeitado: o de terem acompanhamento de pessoas queridas nas consultas, internações, e por ocasião de consultas pré-natais e do parto.
Em nossa opinião, dois dos mais importantes tópicos da Lei estão nos incisos XXIII e XXIV. Ao estatuir, com clareza, que o paciente tem o direito de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para prolongar a vida e que tem, ainda, o direito de optar pelo local da morte, oferece-se respaldo legal aos médicos que acreditam que em alguns pacientes terminais, e com a concordância dos mesmos ou de quem responda por eles, a não introdução ou a interrupção de medidas para o prolongamento da vida é a conduta ética a ser adotada.


Existe hoje, no meio médico, o medo de processo judicial por omissão de socorro. No Código Penal vigente, que data de 1940, o artigo 135 conceitua o crime de omissão de socorro como: "Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoas inválida ou ferida, ao desamparo, ou em grave e iminente perigo; ou não pedir nestes casos o socorro da autoridade pública". Alguns juristas e muitos médicos entendem que não utilizar sempre todos os meios disponíveis para o tratamento, em qualquer circunstância, constituiria omissão de socorro. Partindo da premissa de que o paciente terminal está em processo inexorável de morte, não há como "salvá-lo" para a vida. A lei deixa as coisas bem claras2.
Finalmente, situações particulares de crianças e de pacientes psiquiátricos são tratadas nos parágrafos 1º e 2º do inciso XXIV, ressaltando-se - mais uma vez- que crianças têm o direito a acompanhamento durante todo o período de internação.
A Lei 10.241 não traz inovações éticas. Entretanto, com clareza e em linguagem adequada, regula vários aspectos do exercício profissional. Alguns são tão evidentes que parece até desproposital terem sido incluídos em Lei; outros, ainda controvertidos, encontram na Lei um esclarecimento muito necessário.




Referências
1. Lei nº 10241. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 18 de março de 1999

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